O dia está amanhecendo, mais um dia, e...este será diferente. Diferente, por quê? Ainda não consegui apagar todas as lembranças, nem o cigarro. Primeiro preciso lembrar tudo outra vez. Foi no "reveillon". Teresa, Paulo, Bia, eu e quem mais viesse marcamos encontro lá pelas 22 horas no "nosso" bar do Leblon...
Era o nosso ponto de encontro no happy hour, todos se conheciam, todos bebiam e algumas vezes o papo era interrompido.
- Gente tá na hora da missa!
Lá íamos todos à igreja de Santa Mônica, prestar a última homenagem a algum companheiro, no sétimo dia de sua ida e cumprimentar a familia do amigo boêmio, voltando para chope e para as lembranças. Mas nada era pesaroso, embora lamentássemos a falta dos que partiam. No carnaval, o bar fechava para saída da banda, os que não acompanhavam iam juntos bebericar noutra freguesia.
Não frequentávamos o bar quando ficava lotado de "naftalinas", como eram chamados os frequentadores de fim-de-semana. Mas tínhamos resolvido um final de ano diferente, nada de praia, nada de ceia. Com certeza haveria pouca gente no bar, alguns solitários... quem sabe? Mas nós tomaríamos nossa champanhe... Nada de programa combinado. Tudo diferente. E foi! Começamos nossa festa alegres como sempre. Algumas pessoas já estavam comemorando, outras foram chegando, a mesa foi aumentando e quase à meia noite "ele" se aproximou, queria brindar conosco. Já o tinha visto alí algumas vezes. Sempre desacompanhado e sempre conversando com todos e com ninguém . Um homem interessante, bem falante, de cavanhaque (sempre tive um fraco por cavanhaques). O brinde?
Era o nosso ponto de encontro no happy hour, todos se conheciam, todos bebiam e algumas vezes o papo era interrompido.
- Gente tá na hora da missa!
Lá íamos todos à igreja de Santa Mônica, prestar a última homenagem a algum companheiro, no sétimo dia de sua ida e cumprimentar a familia do amigo boêmio, voltando para chope e para as lembranças. Mas nada era pesaroso, embora lamentássemos a falta dos que partiam. No carnaval, o bar fechava para saída da banda, os que não acompanhavam iam juntos bebericar noutra freguesia.
Não frequentávamos o bar quando ficava lotado de "naftalinas", como eram chamados os frequentadores de fim-de-semana. Mas tínhamos resolvido um final de ano diferente, nada de praia, nada de ceia. Com certeza haveria pouca gente no bar, alguns solitários... quem sabe? Mas nós tomaríamos nossa champanhe... Nada de programa combinado. Tudo diferente. E foi! Começamos nossa festa alegres como sempre. Algumas pessoas já estavam comemorando, outras foram chegando, a mesa foi aumentando e quase à meia noite "ele" se aproximou, queria brindar conosco. Já o tinha visto alí algumas vezes. Sempre desacompanhado e sempre conversando com todos e com ninguém . Um homem interessante, bem falante, de cavanhaque (sempre tive um fraco por cavanhaques). O brinde?
- Feliz Ano Novo! Esperei bastante por essa noite.
- Gente, acho que caiu um homem na minha taça!
Foi assim, um começo com muito riso, ele sentou ao meu lado, me beijou, tudo muito natural. Fiquei encantada mesmo. Já dia claro, ele me trouxe em seu carro e disse:
- Ligarei mais tarde... por favor, sonhe comigo!
Não acreditei. Justificando a insegurança, pensei, foi só uma festa, ele não vai ligar!
Ligou, iria jantar com os filhos, era divorciado, tinha adorado o nosso "reveillon", ligaria na próxima sexta-feira. E.. ligou! Marcamos no "nosso" bar. E assim foi durante muitas semanas. Depois vínhamos para o apartamento e no domingo ele saía por volta das 6 da tarde para encontrar os filhos. Era tudo tão perfeito e tão engraçado. Durante a semana não nos falávamos por força do nosso trabalho. Ele entre Rio e São Paulo. Eu entre Rio e Petrópolis. Tudo muito certo, afinal sexta-feira a noite estávamos sempre juntos. Formávamos um par de bem com a vida. Sem compromisso ou conversa sobre estabilidade. Depois de algumas experiências, não queria repetir casos, juntar móveis e roupas para depois ... esse depois sempre me deixava um pouco assustada. Mas, com certeza ele era diferente. Um homem da minha idade, 47 anos! Com tudo que eu teria sonhado em um homem e ainda tocava violão, fazia versos, "depois de algum tempo você aprende... a construir todos os seus caminhos hoje, porque o chão do amanhã é por demais inseguro...". Sempre bem humorado, tornava nossos encontros muito alegres. Os dias foram passando e fomos nos conhecendo melhor. Sempre gostei de cozinhar, faço isto muito bem. Meus amigos brincavam, conquistar para você é fácil: "O peixe se pega pela boca". Mas ele não queria que ficássemos longe nem um minuto nos nossos fins de semana. Pedia o almoço por telefone. A cozinha ficava para depois, tudo o mais ficava para depois. O tempo todo era muito pouco. Falávamos dos livros que gostávamos, de poesia, não se falava em trabalho, muito melhor falar de amor. Havia muito a contar sobre nossas vidas, nossos filhos. Algumas vezes em silêncio, ficávamos olhando o mar da janela do apartamento, ouvindo nossos discos favoritos e víamos a lua surgir. Eram momentos de puro encantamento. Não íamos a praia, ficávamos apreciando os banhistas chegarem, deslumbrados com a luminosidade da manhã, mas sem querer dividir nada do nosso tempo com ninguém. Afinal, só tínhamos os finais de semana!
Foram lindos, muitos, não sei quantos... mas o encontro da sexta era sempre na "nossa mesa" no nosso bar do Leblon. Aí sim, ver os amigos, bater papo, cantar, contar, rir, e, ir para casa com cigarro e cerveja para o sábado e domingo. As semanas passaram a ser mais rápidas e mais, havia sempre a maravilhosa perspectiva da noite de sexta-feira... Eu não entendia muito bem se era amor ou paixão. Apesar dos 47, ainda não sabia muito bem a diferença e tudo estava tão bom, pra que pensar? Para que querer mais? Entendo quando falam nessa coisa de pele, de cheiro e principalmente essa coisa de estar tão bem que tudo leva a uma boa gargalhada... A cada fim de semana descobríamos mais sintonia, mais afinidade, mais semelhanças. O que mais poderia querer?
Numa quarta-feira, um telefonema, estranhei, nosso amor não conhecia dia útil. Não fiquei preocupada, fiquei feliz, encontro no bar... mas, naquela mesma noite? Ele já estava esperando em uma mesa que não era a "nossa", clima de quarta-feira, homens falando de negócios, gente chegando do trabalho, desapertando a gravata, pedindo chope. Ele pediu uma cerveja e disse que tinha algo muito importante a me dizer. O que será?, pensei eu: pedido de casamento! Tirou a carteira do bolso, abriu e empurrou a identidade em minha direção, não entendi. Não sorriu. Não brilhou para mim! E falou sério e pausadamente:
- Leia a carteira com atenção. Não temos a mesma idade. Menti para você, sou dois anos mais novo. A diferença de idade entre nós é muito grande. Isso não pode dar certo, não é?
Sem saber o que pensar ou dizer, meio sem jeito, meio sorrindo perguntei: - Você está falando sério? Ele baixou os olhos. - Você está vendo... é minha identidade.
Não quis perguntar mais nada. Levantei-me, disse boa noite e saí pensando, ele surtou! Isto tudo é muito ridículo! Dois anos é diferença para alguma coisa? Pensei que ligaria para dizer que tudo tinha sido uma brincadeira. Não ligou! Dias depois ficou noivo da feia filha de um rico comerciante. Então tudo era mentira, uma paixão ou um amor de mentira, uma grande farsa? Afinal quem era aquele homem com quem passei dias tão incríveis?
E assim terminou... morreu para mim. Nunca mais um telefonema, nunca mais um nada. Alguns meses depois eu o vi no calçadão, com a mulher, empurrando um carrinho de bebê. Vida que segue, mudei de cidade, conheci outras pessoas, não voltei ao bar. Tanto tempo passou até que hoje li no jornal a noticia da morte dele. O que sentir quando se lê a noticia da morte de alguém que já morreu faz tanto tempo? Lembrei-me do sorriso dele, lembrei de tudo que foi bom, ainda não chorei, afinal já chorei antes a sua morte. Apaguei o cigarro. Esperei a brasa apagar completamente, existe um dia para se apagar tudo completamente. Foi bom lembrar do bar do Leblon... amor no Rio era outra coisa! E pensar que aos 47 anos eu ainda não sabia que "depois de algum tempo..." era uma tradução de Shakespeare e não tinha sido escrito para mim.
Thereza Di Buriasco
Apaixonada pelo texto, pela autora, pela praia.
ResponderExcluirAdorei
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